Dias de suor e graça
Correio acompanha os bastidores da montagem de melhores do mundo futebol clube, dos primeiros ensaios até os aplausos finais
Primeiro dia de ensaios I, Teatro da Escola-Parque
Chove
lá fora e a modorra do início da tarde parece contaminar o ensaio,
ainda em marcha-lenta. Siri, de chinelos, e Jovane, jeans e camiseta,
sobem ao palco para repassar um dos quadros de Melhores do Mundo Futebol
Clube, a ser encenado no fim de semana na Sala Villa-Lobos. Victor,
Welder e Pipo se esparramam nas poltronas. No palco da Escola-Parque,
coração da Asa Sul, eles se sentem em casa. “Eu comecei aqui”, lembra
Welder. Victor cita os shows que assistiu no local: “Vi a Plebe Rude
tocando nesse palco”.
Primeiro dia de ensaios II, Teatro da Escola-Parque
Texto
na mão, Adriana Nunes pega a caneta quatro cores e anota, em um
caderninho de capa igualmente colorida, as demandas: verniz para colar
bigode postiço, maquiagem para mãos e rosto... Alguém lembra: “Tem que
ver como tá aquela peruquinha enrolada”, citando uma das cem perucas que
o grupo guarda. Outro faz a ressalva. “Se o enchimento estiver
fedorento, tem que lavar...”. “Ah, tem o da Juju”, ela responde, citando
seu personagem, a cara-metade de Jajá, sucesso ano passado no programa
de tevê Zorra total. A lista de Adriana só aumenta. “Seria bom se a
gente tivesse um cavalo daqueles de carrossel. Acho que vende numa loja
aqui perto, na W3…”, arrisca Jovane, antes de mostrar a foto de armadura
que comprou na Grécia para usar em um espetáculo. Encarregado da parte
logística das montagens, Marcello Linhos comenta com o repórter: “Já viu
porque a gente fica com 400kg de bagagem para levar, né?”. Irmão de
Adriana Nunes, Marcello Linhos é o integrante dos Melhores do Mundo que
jamais entra em cena. Mas os outros fazem questão de ressaltar a
importância do seu papel. “É o cara que resolve”, define Jovane. Linhos
monta a iluminação, faz a sonoplastia, fica na mesa de luz durante a
peça; nas viagens interestaduais, resguardado pelo anonimato (“o nosso
Sombra”, diz Pipo), fica de olho em possíveis problemas, como a venda
excessiva de cadeiras extras a ponto de comprometer a visão do
espectador. Ex-guitarrista da banda de thrash metal Restless e tocador
de viola, Linhos assina também a trilha sonora dos espetáculos.
Segundo dia de ensaios, Teatro dos Bancários
Quando
o repórter chega ao teatro da 314/315 Sul, casa da companhia por 10
anos (1997-2007), o clima é de agitação. Enquanto Linhos faz ajustes de
som e luz, os integrantes discutem a eficácia de uma cena. “Vou cantar a
pedra. Esse quadro vai sair”, profetiza Jovane. “Esse quadro tá bom”,
discordam Victor e Pipo. “Tomara: esse quadro já acabou. Vocês querem
ressuscitar o quadro”, rebate Jovane. “Só você está tenso, Jovane”,
comenta Victor. “O problema é que a gente não entende suas piadas,
brinca Pipo. Há 14 anos o público entende, graças a Deus”, retruca
Jovane.
A divergência não deixa resíduo. Eles continuam a afinar o esquete. Um
fala: “Eu acho que a gente podia fazer assim, ó…”. Outro emenda: “É
isso, é isso!”. A direção é coletiva, sem voz de comando, na base do
consenso. Na sala vazia, há a onipresença de um espectador imaginário. E
é com atenção total às reações desse rosto invisível que eles conduzem
os ensaios. Preocupam-se inclusive em sincronizar o tempo e intensidade
das risadas e aplausos com a entrada das locuções pré-gravadas.
Cada um em seu laptop, Siri e Welder conferem trechos do texto e
detalhes da parte visual do espetáculo. Em vez de refrigerante, algumas
cervejas matam a sede. Os cinco vão se revezando no palco, interrompidos
pelo maior adversário dos ensaios: os telefones celulares. Mas as
frequentes interrupções não provocam incômodos visíveis. “Onde é que a
gente estava mesmo? Vamos fazer daqui em diante…”. De repente, Welder
larga o computador e desata a abraçar os colegas. Ninguém entende nada,
até que ele explica a intempestiva demonstração de afeto. “Hoje é o dia
do comediante”. Mais abraços. “Ah, então, hoje ele é o cômico…”, emenda
um deles, separando as sílabas da última palavra para realçar a obscena
dubiedade. Mais gargalhadas.
Terceiro dia de ensaios, Sala Villa-Lobos
A
fila cresce na bilheteria do Teatro Nacional. Pedro Henrique Ribeiro,
19 anos, estudante da Asa Norte, se aproxima para comprar ingressos. É
um exemplo quase didático da nova geração de fãs da companhia: foi
apresentado a Joseph Klimber no YouTube, assistiu Notícias populares,
depois Hermanoteu. Agora, quer ver o novo espetáculo. Só há assentos
disponíveis nas fileiras Y ou Z.
Do lado de dentro, já no palco da maior sala de espetáculos da cidade
para o último ensaio, eles examinam, decepcionados, o painel que será
utilizado no cenário: “Ficou lavado, muito ruim: vamos ter que fazer
outro para a temporada em São Paulo, não tem jeito”. A contrariedade
está estampada no rosto de Welder, que também padece com dores no
joelho. “Hoje é um dia tenso”, admite. Jovane e Pipo encenam um dos
esquetes, depois é a vez de Siri entrar em cena. Sentado em uma das
poltronas, perna tatuada com o logotipo do grupo, Victor observa: “De
hoje para amanhã essa cena vai mudar”. Eles já discutem a necessidade de
abrir uma terceira sessão extra.
Primeira sessão de domingo, Sala Villa-Lobos
Gritos
na multidão. Camisas suadas, fim de jogo. Enquanto Siri agradece ao
público, atrás do palco Adriana já separa e ordena as roupas para a
próxima apresentação. São sete trocas de figurino em 1h20. Eles saem de
cena. Comentam a própria performance: “Eu esqueci alguma coisa?”,
peocupa-se Jovane. “Hoje eu lembrei da Dilma!”, comemora. Fazem ajustes
de ritmo para a segunda sessão. Acham que ainda falta óleo na
engrenagem. A pergunta mais ouvida é: “Funcionou?” O que não funcionou,
como a referência jocosa à morte do ex-deputado e empreiteiro Sérgio
Naya, é sumariamente rifado. Linhos chega correndo, preocupado: “Tá
dando microfonia, o som do microfone não está legal…”. Chegam também
duas pizzas grandes, rapidamente devoradas no intervalo. Antes de atacar
uma fatia, Victor pergunta: “Já abriu sessão extra?”. O produtor do
grupo, Carlos “Zizica” Henrique, responde, com um sorriso imenso: “Já
abriu e já vendeu!”.
Segunda sessão de domingo, Sala Villa-Lobos
A
plateia começa a chegar. A maioria são jovens entre 20 e 30 anos, mas
há muitos casais mais velhos e algumas crianças. No camarim da
Villa-Lobos, enquanto conferem se há recados no celular, Os Melhores do
Mundo jogam conversa fora. Comentam quadros antigos, alguns
politicamente incorretos, dos Trapalhões e de Chico Anysio, que eles
consideram “o grande ator do Brasil”. Contam, com orgulho, da homenagem
que fizeram ao humorista durante espetáculo no Canecão. Na mesma sessão,
estava o casal Fernanda Montenegro e Fernando Torres. “E o Roupa Nova”,
lembra Jovane. Interrompem as lembranças e caem na gargalhada quando
Pipo aparece de peruca e vestido, panela na mão, pronto para entrar em
cena. Começa a sessão. As luzes se apagam e os celulares se acendem na
plateia. Muitos espectadores permanecem com o braço estendido por 10, 15
minutos, filmando os quadros do início ao fim. Com cinco minutos, é
Pipo quem arranca os primeiros aplausos em cena aberta. No controle da
mesa de luz e som, atrás da plateia, Marcello Linhos tem uma cadeira mas
não a usa – permanece o tempo inteiro em pé. O microfone volta a dar
problemas, Linhos fecha a cara. Alheio ao imprevisto técnico, o público
se esbalda. Gargalha com força e com vontade, mesmo nos momentos mais
improváveis, como na cena em que Nietzche e Ritchie dividem a mesma
piada.
Fim da segunda sessão de domingo, Sala Villa-Lobos
Minutos
depois dos agradecimentos de Siri, as cadeiras extras são recolhidas e a
banca montada para vender o DVD de Notícias populares fica apinhada. Na
saída do teatro, o burburinho sobe a rampa: “Eles são incríveis!”, “Me
amarrei!”, “Pô, só uma hora e 20 minutos de espetáculo!”, “Cara, tirei
foto com eles!”. Lá embaixo, na lateral do palco, os integrantes do
grupo saem para sessão de (alguns) autógrafos e (muitas) fotos. O
resultado é conferido instantaneamente nas câmeras digitais. “Cadê o
Jajá? Cadê o Jajá?”, procura uma garota, citando o personagem do Zorra
total. Ela encontra Welder, que, na hora do flash, espreme os lábios e
ergue o polegar, em gesto de positivo. Finda a foto, ele se despede com
um “Legal, legal…” ou “Aííí…”. Dois adolescentes do Guará 1, Lucas
Rabelo e Ricardo Wright, se aproximam. Desinibido, Lucas pede papel e
caneta ao repórter para pegar autógrafos. Conta que aprendeu a encenar o
trecho de Hermanoteu disponível no YouTube. Pediu dinheiro à mãe para
ver o espetáculo. Nunca tinha entrado na Sala Villa-Lobos. “Me amarrei,
mas não teve Joseph Klimber, véi!”, reclama para Welder. Siri chega e,
amistoso, cumprimenta os adolescentes: “Olá, como vai, tudo bem?”.
Lucas, 15 anos, corta a cerimônia e vai direto ao ponto, citando um dos
personagens do ator: “Cadê o bigode do Saraiva?”. (Carlos Marcelo)
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