RUMO AO PLANETA GARGALHADA

Registro de processo de pesquisa
sobre perfil da Cia. de Comédia
Os Melhores do Mundo,
para a Coleção Brasilienses

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Carlos Marcelo Nos bastidores

Dias de suor e graça
Correio acompanha os bastidores da montagem de melhores do mundo futebol clube, dos primeiros ensaios até os aplausos finais
Primeiro dia de ensaios I, Teatro da Escola-Parque
Chove lá fora e a modorra do início da tarde parece contaminar o ensaio, ainda em marcha-lenta. Siri, de chinelos, e Jovane, jeans e camiseta, sobem ao palco para repassar um dos quadros de Melhores do Mundo Futebol Clube, a ser encenado no fim de semana na Sala Villa-Lobos. Victor, Welder e Pipo se esparramam nas poltronas. No palco da Escola-Parque, coração da Asa Sul, eles se sentem em casa. “Eu comecei aqui”, lembra Welder. Victor cita os shows que assistiu no local: “Vi a Plebe Rude tocando nesse palco”.
Primeiro dia de ensaios II, Teatro da Escola-Parque
Texto na mão, Adriana Nunes pega a caneta quatro cores e anota, em um caderninho de capa igualmente colorida, as demandas: verniz para colar bigode postiço, maquiagem para mãos e rosto... Alguém lembra: “Tem que ver como tá aquela peruquinha enrolada”, citando uma das cem perucas que o grupo guarda. Outro faz a ressalva. “Se o enchimento estiver fedorento, tem que lavar...”. “Ah, tem o da Juju”, ela responde, citando seu personagem, a cara-metade de Jajá, sucesso ano passado no programa de tevê Zorra total. A lista de Adriana só aumenta. “Seria bom se a gente tivesse um cavalo daqueles de carrossel. Acho que vende numa loja aqui perto, na W3…”, arrisca Jovane, antes de mostrar a foto de armadura que comprou na Grécia para usar em um espetáculo. Encarregado da parte logística das montagens, Marcello Linhos comenta com o repórter: “Já viu porque a gente fica com 400kg de bagagem para levar, né?”. Irmão de Adriana Nunes, Marcello Linhos é o integrante dos Melhores do Mundo que jamais entra em cena. Mas os outros fazem questão de ressaltar a importância do seu papel. “É o cara que resolve”, define Jovane. Linhos monta a iluminação, faz a sonoplastia, fica na mesa de luz durante a peça; nas viagens interestaduais, resguardado pelo anonimato (“o nosso Sombra”, diz Pipo), fica de olho em possíveis problemas, como a venda excessiva de cadeiras extras a ponto de comprometer a visão do espectador. Ex-guitarrista da banda de thrash metal Restless e tocador de viola, Linhos assina também a trilha sonora dos espetáculos.
Segundo dia de ensaios, Teatro dos Bancários
Quando o repórter chega ao teatro da 314/315 Sul, casa da companhia por 10 anos (1997-2007), o clima é de agitação. Enquanto Linhos faz ajustes de som e luz, os integrantes discutem a eficácia de uma cena. “Vou cantar a pedra. Esse quadro vai sair”, profetiza Jovane. “Esse quadro tá bom”, discordam Victor e Pipo. “Tomara: esse quadro já acabou. Vocês querem ressuscitar o quadro”, rebate Jovane. “Só você está tenso, Jovane”, comenta Victor. “O problema é que a gente não entende suas piadas, brinca Pipo. Há 14 anos o público entende, graças a Deus”, retruca Jovane.
A divergência não deixa resíduo. Eles continuam a afinar o esquete. Um fala: “Eu acho que a gente podia fazer assim, ó…”. Outro emenda: “É isso, é isso!”. A direção é coletiva, sem voz de comando, na base do consenso. Na sala vazia, há a onipresença de um espectador imaginário. E é com atenção total às reações desse rosto invisível que eles conduzem os ensaios. Preocupam-se inclusive em sincronizar o tempo e intensidade das risadas e aplausos com a entrada das locuções pré-gravadas.
Cada um em seu laptop, Siri e Welder conferem trechos do texto e detalhes da parte visual do espetáculo. Em vez de refrigerante, algumas cervejas matam a sede. Os cinco vão se revezando no palco, interrompidos pelo maior adversário dos ensaios: os telefones celulares. Mas as frequentes interrupções não provocam incômodos visíveis. “Onde é que a gente estava mesmo? Vamos fazer daqui em diante…”. De repente, Welder larga o computador e desata a abraçar os colegas. Ninguém entende nada, até que ele explica a intempestiva demonstração de afeto. “Hoje é o dia do comediante”. Mais abraços. “Ah, então, hoje ele é o cômico…”, emenda um deles, separando as sílabas da última palavra para realçar a obscena dubiedade. Mais gargalhadas.

Terceiro dia de ensaios, Sala Villa-Lobos
A fila cresce na bilheteria do Teatro Nacional. Pedro Henrique Ribeiro, 19 anos, estudante da Asa Norte, se aproxima para comprar ingressos. É um exemplo quase didático da nova geração de fãs da companhia: foi apresentado a Joseph Klimber no YouTube, assistiu Notícias populares, depois Hermanoteu. Agora, quer ver o novo espetáculo. Só há assentos disponíveis nas fileiras Y ou Z.
Do lado de dentro, já no palco da maior sala de espetáculos da cidade para o último ensaio, eles examinam, decepcionados, o painel que será utilizado no cenário: “Ficou lavado, muito ruim: vamos ter que fazer outro para a temporada em São Paulo, não tem jeito”. A contrariedade está estampada no rosto de Welder, que também padece com dores no joelho. “Hoje é um dia tenso”, admite. Jovane e Pipo encenam um dos esquetes, depois é a vez de Siri entrar em cena. Sentado em uma das poltronas, perna tatuada com o logotipo do grupo, Victor observa: “De hoje para amanhã essa cena vai mudar”. Eles já discutem a necessidade de abrir uma terceira sessão extra.

Primeira sessão de domingo, Sala Villa-Lobos
Gritos na multidão. Camisas suadas, fim de jogo. Enquanto Siri agradece ao público, atrás do palco Adriana já separa e ordena as roupas para a próxima apresentação. São sete trocas de figurino em 1h20. Eles saem de cena. Comentam a própria performance: “Eu esqueci alguma coisa?”, peocupa-se Jovane. “Hoje eu lembrei da Dilma!”, comemora. Fazem ajustes de ritmo para a segunda sessão. Acham que ainda falta óleo na engrenagem. A pergunta mais ouvida é: “Funcionou?” O que não funcionou, como a referência jocosa à morte do ex-deputado e empreiteiro Sérgio Naya, é sumariamente rifado. Linhos chega correndo, preocupado: “Tá dando microfonia, o som do microfone não está legal…”. Chegam também duas pizzas grandes, rapidamente devoradas no intervalo. Antes de atacar uma fatia, Victor pergunta: “Já abriu sessão extra?”. O produtor do grupo, Carlos “Zizica” Henrique, responde, com um sorriso imenso: “Já abriu e já vendeu!”.
Segunda sessão de domingo, Sala Villa-Lobos
A plateia começa a chegar. A maioria são jovens entre 20 e 30 anos, mas há muitos casais mais velhos e algumas crianças. No camarim da Villa-Lobos, enquanto conferem se há recados no celular, Os Melhores do Mundo jogam conversa fora. Comentam quadros antigos, alguns politicamente incorretos, dos Trapalhões e de Chico Anysio, que eles consideram “o grande ator do Brasil”. Contam, com orgulho, da homenagem que fizeram ao humorista durante espetáculo no Canecão. Na mesma sessão, estava o casal Fernanda Montenegro e Fernando Torres. “E o Roupa Nova”, lembra Jovane. Interrompem as lembranças e caem na gargalhada quando Pipo aparece de peruca e vestido, panela na mão, pronto para entrar em cena. Começa a sessão. As luzes se apagam e os celulares se acendem na plateia. Muitos espectadores permanecem com o braço estendido por 10, 15 minutos, filmando os quadros do início ao fim. Com cinco minutos, é Pipo quem arranca os primeiros aplausos em cena aberta. No controle da mesa de luz e som, atrás da plateia, Marcello Linhos tem uma cadeira mas não a usa – permanece o tempo inteiro em pé. O microfone volta a dar problemas, Linhos fecha a cara. Alheio ao imprevisto técnico, o público se esbalda. Gargalha com força e com vontade, mesmo nos momentos mais improváveis, como na cena em que Nietzche e Ritchie dividem a mesma piada.
Fim da segunda sessão de domingo, Sala Villa-Lobos
Minutos depois dos agradecimentos de Siri, as cadeiras extras são recolhidas e a banca montada para vender o DVD de Notícias populares fica apinhada. Na saída do teatro, o burburinho sobe a rampa: “Eles são incríveis!”, “Me amarrei!”, “Pô, só uma hora e 20 minutos de espetáculo!”, “Cara, tirei foto com eles!”. Lá embaixo, na lateral do palco, os integrantes do grupo saem para sessão de (alguns) autógrafos e (muitas) fotos. O resultado é conferido instantaneamente nas câmeras digitais. “Cadê o Jajá? Cadê o Jajá?”, procura uma garota, citando o personagem do Zorra total. Ela encontra Welder, que, na hora do flash, espreme os lábios e ergue o polegar, em gesto de positivo. Finda a foto, ele se despede com um “Legal, legal…” ou “Aííí…”. Dois adolescentes do Guará 1, Lucas Rabelo e Ricardo Wright, se aproximam. Desinibido, Lucas pede papel e caneta ao repórter para pegar autógrafos. Conta que aprendeu a encenar o trecho de Hermanoteu disponível no YouTube. Pediu dinheiro à mãe para ver o espetáculo. Nunca tinha entrado na Sala Villa-Lobos. “Me amarrei, mas não teve Joseph Klimber, véi!”, reclama para Welder. Siri chega e, amistoso, cumprimenta os adolescentes: “Olá, como vai, tudo bem?”. Lucas, 15 anos, corta a cerimônia e vai direto ao ponto, citando um dos personagens do ator: “Cadê o bigode do Saraiva?”. (Carlos Marcelo)

Nenhum comentário:

Postar um comentário